O processo de escrita requer apenas disponibilidade e
algo onde escrever. Começa-se com algo simples. Se, para uns, estrearem-se com
um romance pode parecer normal, para a maioria, o ideal talvez seja um conto ou
um poema. A escrita criativa deve ser uma actividade lúdica. Não nos
preocupemos muito com o resultado final; escreve-se simplesmente. Há tempo
suficiente, depois, para limar arestas, apagar e reescrever, se for esse o
caso. À medida que nos formos adaptando, vamos experimentando, então,
horizontes mais longínquos.
Nenhuma escrita nasce do vazio. As ideias surgem da relação que
todos mantemos com o mundo exterior, das trocas incessantes entre o eu e o
outro. Ainda que a intenção do autor seja escrever sobre uma experiência
íntima, sobre um aspeto dos seus sentimentos e sensações, certamente essa
experiência terá sido constituída em relação ao mundo de fora.
Os alunos das escolas que integram a Rede de Bibliotecas de Lamego
foram convidados para um desafio proposto pelo CTOE (Centro de Tropas de
Operações Especiais), a propósito do Centenário da I Guerra Mundial, atividade
inserida no Plano do Exército Português. O concurso “Cartas da Guerra” tinha
como objetivo estimular nos alunos o gosto pela escrita, revelando o drama
familiar, abordando aspetos reais ou fictícios sobre a Grande Guerra, não
esquecendo comportamentos e atitudes que enaltecessem as qualidades humanas dos
intervenientes, através de um discurso criativo e original. O tema não era
fácil, mas com empenho, pesquisa e espírito de curiosidade tudo se consegue.
Há cem
anos, milhões de jovens deixaram a segurança do seu lar para lutar
na guerra. Estavam animados, levados por uma onda de patriotismo. Mas o
entusiasmo desses jovens logo se transformou em tristeza. Ninguém podia
imaginar que aqueles exércitos enormes ficariam atolados por anos nas
trincheiras da Bélgica e da França. As batalhas desenvolveram-se
principalmente em trincheiras. Os soldados ficavam, muitas vezes, centenas de
dias entrincheirados, lutando pela conquista de pequenos pedaços de território.
A fome e as doenças também eram os inimigos destes guerreiros.
A carta é
o texto que reúne um potencial evocativo e de fascínio de apelo excecional, pelo
simples facto de ser um documento privado e pessoal que, pelo menos
virtualmente, nos transporta para o meio da guerra, permitindo-nos observar
internamente alguns aspetos ou momentos, inclusive particularmente íntimos, sob
o ponto de vista dos protagonistas.
Todos
os momentos bélicos começam com uma partida, com uma separação, é a distância
que produz a necessidade de comunicação e a comunicação à distância, naquela
época podia apenas ser escrita. Eram os momentos de escrita que constituíam a
busca constante para reconstruir, ou manter inalterado, através da escrita,
aquilo que a guerra havia irremediavelmente interrompido ou modificado. Dentro
daqueles bocadinhos de saudade viajavam de uma margem à outra do oceano uma
miríade de informações preciosas, emaranhadas num complexo de sonhos,
expectativas, ilusões, desilusões, em resumo, fragmentos do imaginário,
estilhaços de identidade e de modelos culturais.
Foi
neste espírito de “colocar-se no lugar do outro” que os alunos dos vários
níveis de ensino da Rede de Bibliotecas de Lamego encetaram uma “viagem”
escrita e bem criativa. Essa escrita epistolar revelou exatamente o sentir de
quem experimentou tão adversas condições, que lutou e sofreu, que tanto
escreveu para esquecer as agruras e os momentos cruéis do quotidiano, mas
sempre com a família no seu coração e na esperança de chegar o momento em que
deixariam aqueles locais de confronto entre homens que não sabiam o que é a
compreensão. O essencial do que se pretendia foi conseguido e reconhecido pelos
elementos do júri premiando o esforço e a capacidade criativa e de articulação
entre História, Direitos Humanos, Geografia, Literatura e Valores.
Necessitamos
de mais momentos destes em que a sociedade civil, militar e académica se
entrelaçam, se dão as mãos e a obra nasce! Foi uma tarefa árdua, mas parabéns à
Maria Dinis Tenreiro (5.º ano), Catarina Guedes (7.º ano) do Agrupamento de
Escolas Latino Coelho, não esquecendo os alunos de outras escolas também
premiados, por nos terem deliciado com cartas que escreveram e que tão bem
expressaram o quanto o grande pilar – a família - consegue atenuar o sofrimento
de alguém quando está distante e em permanente perigo, principalmente em
momentos de guerra. Um especial agradecimento ao senhor Comandante do CTOE,
Coronel António da Silva Regadas, por esta iniciativa reveladora de que a
instituição militar em Lamego se preocupa com a formação dos seus jovens e da
própria comunidade envolvente.
Isilda Lourenço Afonso
Agrupamento
de Escolas Latino Coelho, Lamego