O processo de escrita requer apenas disponibilidade e
algo onde escrever. Começa-se com algo simples. Se, para uns, estrearem-se com
um romance pode parecer normal, para a maioria, o ideal talvez seja um conto ou
um poema. A escrita criativa deve ser uma actividade lúdica. Não nos
preocupemos muito com o resultado final; escreve-se simplesmente. Há tempo
suficiente, depois, para limar arestas, apagar e reescrever, se for esse o
caso. À medida que nos formos adaptando, vamos experimentando, então,
horizontes mais longínquos.
Nenhuma escrita nasce do vazio. As ideias surgem da relação que
todos mantemos com o mundo exterior, das trocas incessantes entre o eu e o
outro. Ainda que a intenção do autor seja escrever sobre uma experiência
íntima, sobre um aspeto dos seus sentimentos e sensações, certamente essa
experiência terá sido constituída em relação ao mundo de fora.
Há cem
anos, milhões de jovens deixaram a segurança do seu lar para lutar
na guerra. Estavam animados, levados por uma onda de patriotismo. Mas o
entusiasmo desses jovens logo se transformou em tristeza. Ninguém podia
imaginar que aqueles exércitos enormes ficariam atolados por anos nas
trincheiras da Bélgica e da França. As batalhas desenvolveram-se
principalmente em trincheiras. Os soldados ficavam, muitas vezes, centenas de
dias entrincheirados, lutando pela conquista de pequenos pedaços de território.
A fome e as doenças também eram os inimigos destes guerreiros.
A carta é
o texto que reúne um potencial evocativo e de fascínio de apelo excecional, pelo
simples facto de ser um documento privado e pessoal que, pelo menos
virtualmente, nos transporta para o meio da guerra, permitindo-nos observar
internamente alguns aspetos ou momentos, inclusive particularmente íntimos, sob
o ponto de vista dos protagonistas.
Todos
os momentos bélicos começam com uma partida, com uma separação, é a distância
que produz a necessidade de comunicação e a comunicação à distância, naquela
época podia apenas ser escrita. Eram os momentos de escrita que constituíam a
busca constante para reconstruir, ou manter inalterado, através da escrita,
aquilo que a guerra havia irremediavelmente interrompido ou modificado. Dentro
daqueles bocadinhos de saudade viajavam de uma margem à outra do oceano uma
miríade de informações preciosas, emaranhadas num complexo de sonhos,
expectativas, ilusões, desilusões, em resumo, fragmentos do imaginário,
estilhaços de identidade e de modelos culturais.
Foi
neste espírito de “colocar-se no lugar do outro” que os alunos dos vários
níveis de ensino da Rede de Bibliotecas de Lamego encetaram uma “viagem”
escrita e bem criativa. Essa escrita epistolar revelou exatamente o sentir de
quem experimentou tão adversas condições, que lutou e sofreu, que tanto
escreveu para esquecer as agruras e os momentos cruéis do quotidiano, mas
sempre com a família no seu coração e na esperança de chegar o momento em que
deixariam aqueles locais de confronto entre homens que não sabiam o que é a
compreensão. O essencial do que se pretendia foi conseguido e reconhecido pelos
elementos do júri premiando o esforço e a capacidade criativa e de articulação
entre História, Direitos Humanos, Geografia, Literatura e Valores.
Isilda Lourenço Afonso
Agrupamento
de Escolas Latino Coelho, Lamego
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