quinta-feira, 7 de julho de 2016

"Cartas de Guerra" - um concurso de escrita



O processo de escrita requer apenas disponibilidade e algo onde escrever. Começa-se com algo simples. Se, para uns, estrearem-se com um romance pode parecer normal, para a maioria, o ideal talvez seja um conto ou um poema. A escrita criativa deve ser uma actividade lúdica. Não nos preocupemos muito com o resultado final; escreve-se simplesmente. Há tempo suficiente, depois, para limar arestas, apagar e reescrever, se for esse o caso. À medida que nos formos adaptando, vamos experimentando, então, horizontes mais longínquos.
Nenhuma escrita nasce do vazio. As ideias surgem da relação que todos mantemos com o mundo exterior, das trocas incessantes entre o eu e o outro. Ainda que a intenção do autor seja escrever sobre uma experiência íntima, sobre um aspeto dos seus sentimentos e sensações, certamente essa experiência terá sido constituída em relação ao mundo de fora.
Os alunos das escolas que integram a Rede de Bibliotecas de Lamego foram convidados para um desafio proposto pelo CTOE (Centro de Tropas de Operações Especiais), a propósito do Centenário da I Guerra Mundial, atividade inserida no Plano do Exército Português. O concurso “Cartas da Guerra” tinha como objetivo estimular nos alunos o gosto pela escrita, revelando o drama familiar, abordando aspetos reais ou fictícios sobre a Grande Guerra, não esquecendo comportamentos e atitudes que enaltecessem as qualidades humanas dos intervenientes, através de um discurso criativo e original. O tema não era fácil, mas com empenho, pesquisa e espírito de curiosidade tudo se consegue.
Há cem anos, milhões de jovens deixaram a segurança do seu lar para lutar na guerra. Estavam animados, levados por uma onda de patriotismo. Mas o entusiasmo desses jovens logo se transformou em tristeza. Ninguém podia imaginar que aqueles exércitos enormes ficariam atolados por anos nas trincheiras da Bélgica e da França. As batalhas desenvolveram-se principalmente em trincheiras. Os soldados ficavam, muitas vezes, centenas de dias entrincheirados, lutando pela conquista de pequenos pedaços de território. A fome e as doenças também eram os inimigos destes guerreiros.
A carta é o texto que reúne um potencial evocativo e de fascínio de apelo excecional, pelo simples facto de ser um documento privado e pessoal que, pelo menos virtualmente, nos transporta para o meio da guerra, permitindo-nos observar internamente alguns aspetos ou momentos, inclusive particularmente íntimos, sob o ponto de vista dos protagonistas.
Todos os momentos bélicos começam com uma partida, com uma separação, é a distância que produz a necessidade de comunicação e a comunicação à distância, naquela época podia apenas ser escrita. Eram os momentos de escrita que constituíam a busca constante para reconstruir, ou manter inalterado, através da escrita, aquilo que a guerra havia irremediavelmente interrompido ou modificado. Dentro daqueles bocadinhos de saudade viajavam de uma margem à outra do oceano uma miríade de informações preciosas, emaranhadas num complexo de sonhos, expectativas, ilusões, desilusões, em resumo, fragmentos do imaginário, estilhaços de identidade e de modelos culturais.

Foi neste espírito de “colocar-se no lugar do outro” que os alunos dos vários níveis de ensino da Rede de Bibliotecas de Lamego encetaram uma “viagem” escrita e bem criativa. Essa escrita epistolar revelou exatamente o sentir de quem experimentou tão adversas condições, que lutou e sofreu, que tanto escreveu para esquecer as agruras e os momentos cruéis do quotidiano, mas sempre com a família no seu coração e na esperança de chegar o momento em que deixariam aqueles locais de confronto entre homens que não sabiam o que é a compreensão. O essencial do que se pretendia foi conseguido e reconhecido pelos elementos do júri premiando o esforço e a capacidade criativa e de articulação entre História, Direitos Humanos, Geografia, Literatura e Valores.
Necessitamos de mais momentos destes em que a sociedade civil, militar e académica se entrelaçam, se dão as mãos e a obra nasce! Foi uma tarefa árdua, mas parabéns à Maria Dinis Tenreiro (5.º ano), Catarina Guedes (7.º ano) do Agrupamento de Escolas Latino Coelho, não esquecendo os alunos de outras escolas também premiados, por nos terem deliciado com cartas que escreveram e que tão bem expressaram o quanto o grande pilar – a família - consegue atenuar o sofrimento de alguém quando está distante e em permanente perigo, principalmente em momentos de guerra. Um especial agradecimento ao senhor Comandante do CTOE, Coronel António da Silva Regadas, por esta iniciativa reveladora de que a instituição militar em Lamego se preocupa com a formação dos seus jovens e da própria comunidade envolvente.

Isilda Lourenço Afonso
Agrupamento de Escolas Latino Coelho, Lamego