No
dia 17 de março, na Escola Secundária de Latino Coelho, pudemos assistir a um
momento pleno de sabedoria e de encontro com as palavras que nos foi
proporcionado pelo senhor Dr. João Paulo Fonseca, professor de Português e de
Literatura Portuguesa. Esta atividade inseriu-se na Semana da Leitura do Agrupamento
de Escolas Latino Coelho, Lamego.
A
paixão e o entusiasmo com que dissertou sobre José Saramago, vida e obra,
através de percursos literários a propósito da obra saramaguiana, despertou a
atenção e o interesse de quem o ouviu. Estaríamos, com toda a certeza, muito
mais tempo para aprendermos sobre este ilustre escritor português e prémio
Nobel da Literatura…
Partilhamos
alguns aspetos mais relevantes da sua intervenção e que gostaríamos de aqui
deixar para todos os que nos leem. Vale a pena a cultura, vale a pena apreciar
estas palavras de sapiência.
Viagem(ns) em
Saramago
A adoção de uma perspetiva global de
leitura e enquadramento da obra de Saramago leva-nos, em primeiro lugar, a uma
reflexão diacrónica sob a evolução do estilo narrativo, tendo como referência
algumas datas e obras incontornáveis: 1947, Terra
do Pecado, primeiro romance do autor, todavia sem impacto significativo na
época e, durante algum tempo, quase renegado pelo autor; 1977, Manual de Pintura e Caligrafia, obra em
que o autor busca a sua própria identidade de escritor (pouco tempo após ter
saído do jornal Diário de Notícias e
ter decidido dedicar-se em exclusivo à escrita literária); 1980, Levantado do Chão, obra que consagra uma
forma diferente, original e única de narrar histórias, a que chamarei a língua
portuguesa de Saramago; 1982, Memorial do
Convento, obra que, definitivamente, consagra Saramago como grande escritor.
Em segundo lugar, dentro da evolução temática saramaguiana, há que distinguir
as seguintes abordagens: um olhar crítico sobre a História, apontando o futuro
como lugar único onde se podem corrigir os erros do passado; o papel do
narrador/autor enquanto entidade harmonizadora da História e da narrativa que
se pretende ser capaz de desassossegar; a viagem, enquanto processo de
construção da identidade pessoal – dentro de si, mas também através da
alteridade, do outro – e de uma identidade coletiva, enquanto sociedade; o uso
do fantástico, enqua
nto registo modal, como estratégia narrativa capaz de
persuadir o leitor à reflexão; a afirmação de um conjunto de princípios
antropológicos, ou, se quisermos, de uma espiritualidade humanista, baseada na
declaração universal dos direitos do homem. Nesta apresentação, deter-nos-emos,
apenas e por uma questão de tempo, sobre o estilo saramaguiano ou a língua
portuguesa de saramago e a viagem, enquanto processo de busca de uma identidade
pessoal e coletiva.
Há uma ligação
profunda entre o estilo saramaguiano de escrever a língua portuguesa e a forma
como, oralmente, se conta a história vivida pelas pessoas e, depois, pelas
personagens. Não esquecer, por fim, que este carácter oral advém à escrita
também como consequência do gosto musical do autor e das influências da
oratória vieirina barroca que se evidenciam bastante em obras como Memorial do Convento.
Parte
significativa da obra de Saramago enquadra-se numa longa tradição da história
da literatura: a literatura de viagens. Se tivermos em conta as crónicas
presentes em A Bagagem do Viajante (1973),
as narrativas presentes em Viagem a
Portugal (1981); A Jangada de Pedra
(1986) e a Viagem do Elefante (2008),
constatamos que a força motriz da narrativa (nas três últimas) é a viagem
enquanto processo físico de deslocação entre dois pontos. Mas também a viagem
interior está presente nestas obras, assim como em Todos os Nomes (1997) e O
Homem Duplicado (2002). (…)
A obra literária de José Saramago é o
resultado de um percurso (viagem…) único e irrepetível levado a cabo pelo
primeiro nobel da língua portuguesa. Nela se configuram opções ideológicas
assumidas na primeira pessoa pelo seu autor/narrador, nomeadamente, a
possibilidade – única possibilidade – de o homem corrigir a História no futuro;
a desgraçada nódoa que, em nome de deus, os homens se impõem uns aos outros; a
igualdade fundamental de todos os seres humanos, sem qualquer tipo de
discriminação; o direito igual e fundamental aos bens materiais e amorosos
essenciais a todo o ser humano. Tudo isto está numa obra literária que, sempre
que lida, se continua a fazer ouvir.
Dr.
João Paulo Fonseca
Escola
Secundária de Latino Coelho, Lamego
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